O poder da Arte: uma breve reflexão
Cláudio Antônio Arantes Pompeu
E.E. Mário Marques de Oliveira
claudio.pompeu@professor.sp.gov.br
Orientador: João Antonio de
Moraes
Resumo: Desde os
primórdios o homem demonstra sua necessidade de se expressar e para isso
molda no mundo uma nova criação. Como um demiurgo, o homem visita o mundo dos
possíveis e dele trás novas formas e conceitos que transcendem a natureza,
transfigurando o mundo em tudo o que faz. Uma das mais elevadas manifestações
humanas é a Arte que, por sua natureza alcança o infinito, e enquanto existe
não deixa de impressionar. A Arte passa então a estar sob outra emanação
humana: o Poder. É diante deste contexto que se situa nosso objetivo central,
qual seja: estabelecer uma relação possibilite
desvendar em que consiste o Poder da Arte. Para tanto, num primeiro momento,
vamos procurar uma essência da arte. Em seguida, propomos uma reflexão sobre o
Poder e, por fim, analisamos em que consiste o poder da arte.
Palavras-chave: Arte. Poder.
Absoluto. Kratos. Potestas
Abstract: Since
the beginning men demonstrate needs to express themselves and to do so shapes
the world as a new creation. As a demiurge, the man visits the world of
possible and from it brings new forms and concepts the go beyond nature,
transforming the world in everything he does. One of the highest manifestations
of human is Art that is by its nature reaches infinity, and while exists it is
impressive. The Art is then under another human emanation: the Power. It is in
this context that is our main objective: to establish a relationship enables
unravel what constitutes the Power of Art. Therefore, at first, we will seek an
essence of art. Then we propose a reflection on power and, finally, analyze
what constitutes the power of art.
Keywords: Art.
Power. Absolut. Kratos. Potestas
* * *
“A
sensibilidade espiritual do homem que abriu sua alma para a palavra de Yahweh,
a confiança e a fortaleza necessárias para fazer desta palavra a ordem da
existência em oposição ao mundo e a imaginação criativa usada para a
transformação do símbolo de servidão civilizacional no símbolo de libertação
divina – essa combinação é um dos grandes e raros eventos na história da
humanidade. Esse evento leva o nome de Abrão”. (Eric Voegelin)
1. Introdução
A
Modernidade, fenômeno civilizacional criado pela proteção de fazer a razão
reinar na sociedade, tem desfigurado a natureza humana e seus produtos (GOYA,
2012). O desejo de controle da natureza e, depois da promessa de libertação,
passou rapidamente para o desejo de controle dos nossos semelhantes, por
regimes totalitários e fez com que tudo o que é humano se voltasse contra a
humanidade, disfarçado de humanismo, como foi claramente marcado na História,
monumento horrivelmente espetacular dos mais 100.000.000 de mortos dos regimes
Socialistas e Nazista. Desde a proposta do “Venerabilis inceptor”,
Willian de Ockham a Luiz da Baviera foi explicitada:
“Tu me defendas gladio; ego te defendam calmo”, cada vez mais as altas
expressões humanas têm percorrido caminhos nos quais se prostituíram, usurparam
ou foram manipuladas por Poderes e poderosos, fazendo mais o papel de cortesãs
do que o de soberanas. Então
veio à tona uma nova discussão sobre o conceito e realidade do “Poder”, como
luta de classes em Marx ou como relações em Foucault que aos poucos começa a
ser redefinido, se tornando a ótica pela qual as coisas são vistas e
entendidas. Filosofia, Arte, Religião, produto e produção, vão se distanciando
de seus fins e passam e se tornar peças no jogo de poder, se degenerando em
pesadelo no sonho da Razão.
Resgatar
a “essência” do humano “demasiado humano” é uma tarefa para as novas gerações,
na superação da modernidade que, na visão de Mário Ferreira dos Santos (1962,
p. 13-20) deverá reconstruir a ordem no “terreno líquido” irrigado pela
modernidade. Referimo-nos aqui à concepção de
Zygmunt Bauman, que entende que vivemos numa sociedade “líquida” na qual nada é
feito para ser “sólido”, para durar (BAUMAN, 2003). Talvez na História esse
fenômeno não seja mais do que um momento que dará lugar a uma nova sociedade
com novos cânones.
Diante
do contexto, nossa proposta neste trabalho é a de comentar as relações entre a
Arte e Poder visando à compreensão do estado atual da arte na
contemporaneidade.
2. Arte: conceito e função
A teoria da arte, em
uma de suas concepções mais tradicionais, consiste essencialmente no “fazer” e
teria por função determinar as condições pelas quais a obra de arte deveria ser
produzida pelo artífice. Em um sentido mais estrito, a teoria da arte
constituiria uma virtude prática que tende a tornar “fácil” e “satisfatório” o
trabalho do artista, visando à produção do belo. A palavra téchne, correspondente grego de arns,
traduz melhor esta concepção.
O termo téchne era usado para descrever a habilidade
no fazer; mais especialmente, uma espécie de competência profissional oposta à
capacidade instintiva. Platão (381a-b, p. 94-5, 1993), em sua obra “República”,
não se preocupa em dar uma definição exata desta palavra cuja acepção comum
significa habilidade, ou ofício. Este termo pode denotar o que foi também
colocado por Aristóteles (1140 a, p 343-4, 1973) enquanto um termo atrelado à
produção, poiétike. A
arte seria uma imitação da natureza e somente um objeto passível de reprodução
poderia constituir um objeto da arte. De acordo com tal concepção, a finalidade
da arte consistiria na hábil imitação e reprodução dos objetos tal como existem
na natureza.
A partir
das concepções de Platão e Aristóteles fica difícil distinguir Arte de ofício
ou técnica artesanal. Mesmo a partir da relação entre arte liberal e servil a
dificuldade da distinção permanece. Segundo Aquino (I - II, q. 57, a 3, ad. 3,
v. IV, 2005, p. 121):
se
a arte nada mais é que razão reta de fazer algumas obras, todos os hábitos
especulativos dirigidos a essas ações da razão se chamam, por certa semelhança,
artes liberais, à diferença das que são voltadas para as obras executadas pelo
corpo, que são, até certo ponto, servis [...].
Ou seja, as artes liberais se
referem ao trabalho da razão e as servis aos trabalhos exercidos com o corpo. Neste
contexto, artifex é o homem que encarna uma ideia, que fabrica um ser
que a natureza não fornece, um artificium, como diziam os escolásticos. Reproduzir é refazer com os meios
que o homem dispõe aquilo que existe no mundo natural. Neste
contexto, a reprodução seria, assim, sempre inferior ao modelo e a arte só
poderia reproduzir a aparência de realidade, reduzindo arte a um artifício sem
outro valor que não o da técnica. Haveria, como ocorre, arte em outras
atividades humanas, mas fica prejudicada a especificação da arte propriamente
dita.
Dizer
que a arte consiste em um fazer com a adequação a uma regra e um modelo externo
de beleza é estabelecer uma contração entre sua própria definição e a concepção
de obra de arte. Isto porque, o que se exalta na arte é menos evidente que as
características de seu aspecto executivo e manual, ficando prejudicada a
definição de arte e sua distinção das demais atividades (PAREYSON, 1989, p.
29). Além disso, a beleza que o artista concebe e exprime por meio de sinais e
imagens sensíveis não se reduz a um simples realismo, rejeitando todo ideal e
reduzindo à imitação servil e exclusiva da natureza – beleza natural. Se
fizermos uma relação entre mímesis
(Aristóteles) e Artes liberais (Tomás de Aquino), deduzimos que o problema
desse entendimento está em que a beleza natural não dependeria apenas da
integridade e da proporção dos elementos materiais, mas principalmente da forma
que se revela pela sua claridade e resplandece no todo (NUNES, 2008, p. 42). Em
sendo a forma o ideal, não podem os artistas prescindir do ideal. Assim, para
ser coerente dever-se-ia representar as coisas não como a natureza as faz, mas
como deveria fazê-las, pois a arte, neste viés, seria uma interpretação e
transfiguração da natureza, o que daria grande hegemonia para artes mecânicas
em detrimento das artes liberais.
Não buscamos aqui
esmiuçar um estudo sobre o conceito de belo e de arte no pensamento clássico e
escolástico, mas visamos apenas esboçar a insuficiência da concepção de arte
enquanto “fazer” e indicar a concepção de arte enquanto “expressão”.
A
concepção de arte enquanto expressão não exclui por determinação a primeira,
mas a completa, pois nela concebe-se a pluralidade das formas de expressão do
Espírito. Estas são atos do Espírito que tem consciência da realidade. O termo
Espírito é aqui entendido segundo a concepção hegeliana. Ele está presente em
sua filosofia da história, na qual o Espírito humano está em um permanente
processo dialético de sucessivas teses, antíteses e sínteses, na qual a ideia
se realiza. Segundo Abbagnano, Hegel distingue entre Espírito objetivo e
absoluto. O segundo pode ser atrelado à noção cartesiana de alma, a qual se
refere apenas ao intelecto e razão, enquanto que o Espírito objetivo nos
oferece algo mais amplo, pois participa da história e assim deixa de ser de ser
um fenômeno próprio da humanidade enquanto abstração. Este passa a fazer parte
do processo dialético, no qual o racional real e o real racional, encerrando o
Espírito absoluto na Consciência, que, por sua vez, ao ser identificado com o
mundo permite dar a História um sentido novo. Em outras palavras, como destaca
Abbagnano (1991, p. 336-337), na cosmovisão de Hegel, o protagonista dos
acontecimentos é a História como um permanente vir a ser, que arrasta consigo o
homem e coloca o absoluto no processo de consciência humana.
Se
aceitarmos a proposta de Hegel para a concepção de Espírito, poderíamos dizer
que a arte é expressão, pois as operações humanas são, essencialmente,
expressivas. As operações humanas parecem conter uma essência e personalidade
de quem toma a iniciativa de fazê-la, muito embora isso não queira dizer que
toda a expressão seja arte. Como indicado, o conceito de arte não se reduz à
deliberada transferência de uma ideia para o campo da criação artística, posto
que não se reduz a mera técnica. Há, no que chamamos aqui por arte, algo de
essencial que permite diferenciá-la das demais atividades humanas, pois não se
reduz a elementos pitorescos, tangíveis e empíricos, por outro lado, não é mera
idealização, só criação, é a percepção de uma certa realidade que está
enraizada no fluxo dos eventos que marcam toda ordem política, como
participação dessa ordem universal do ser. Tal fenômeno acontece, pois:
[...] os seres humanos nunca compreendem totalmente o drama da
existência nem seu próprio papel dentro dele. Quando chegam a aprender o (algo
desse) significado, eles criam símbolos para tornar inteligível a ordem
necessariamente incognoscível do ser mediante o uso de analogia com o que já é
conhecido (HOGAN, 2009, p. 9-11).
Por essa razão, ocorre de uma
sociedade ficar inteiramente expressa em algumas obras legadas às gerações
futuras, tudo aquilo que trazia em si vigor criador, de profunda consciência,
na qual a experiências de ordem se mostram superadas e a criação de novas
perspectivas surge aliada a novas possibilidades técnicas e aos talentos
produzidos no âmbito social.
Tais
fatores não surgem e não atingem o seu desenvolvimento senão quando a sociedade
é fecunda e harmoniosa, e quando existe na sua massa esse intento de criação,
esse fervor espiritual que, elevando o homem mortal acima de si mesmo, o leva a
eternizar-se. Tais obras não nascem ao acaso, mas são devidas a obscuras paciências
e grandes esperanças, em um favorável momento no tempo e, por isso, marcam o
ponto culminante da curva que descrevem as sociedades humanas. Sob esse
aspecto, a respeito da poesia Homérica, diz Nietzsche (2006, p. 193): “o nome
de Homero não teve desde o princípio uma relação necessária nem com o conceito
de perfeição estética nem com a “Ilíada” ou “Odisséia”. Homero como poeta da
“Ilíada” ou “Odisséia”, não é uma tradição histórica, mas um juízo estético”.
Homero é, então, a tradição coligida é a tradição transmitida, Homero
caracterizou uma sociedade, descreveu-a, ficou sendo fiel transunto do seu
estado intelectual e moral, e o mundo tradicional não tem outra realidade senão
a crença do povo que a aceitou como história.
Como
ressalta Brás (1990, p. 58), a obra de arte que se expressa, que tem
significado, não teria lugar, se toda produção do Espírito não tivesse já um
caráter artístico. Portanto, para ser arte não é o bastante a expressão. Há
diversas expressões do Espírito, expressões estas que são atos do Espírito que
tem consciência da realidade. Por operar de forma dialética, é na história que
esse Espírito toma consciência de Si, e por isso, a arte não pode ser concebida
como um fim que tenha valor em si e para si, e ser pensada independente do
Espírito de quem extrai seu conteúdo, uma vez que o conceito de sua expressão é
o que dá unidade ao seu desdobramento sensível na realidade. O Espírito, ao
transformar a matéria, ao se expressar, ao expressar a essência de sua
concepção, se torna essência em uma realidade particular e efetiva, que é a
ideia, unidade absoluta do conceito e da objetividade, o conceito que se
realiza, o verdadeiro por si e em si. Dizendo de outra forma, o conceito só é se
nega a si mesmo tornando-se coisa sensível, o conceito se torna assim a alma o
objeto dado agora na realidade que é a sua forma.
Neste contexto hegeliano, não seria
considerada arte qualquer expressão bela que ocorre no mundo sensível. Para ser
arte seria necessário que essa expressão atinja um determinado grau de
significação, de beleza, atribuindo ao seu produto uma unidade e transcendência
bastando-se a si mesma para ser entendida. A obra de arte vive por si só, se
expressa por si, se torna completamente autônoma de seu contexto, embora faça
parte dele enquanto criação e possa, portanto remeter a ele como expressão,
sendo, todavia independente dele historicamente e em si enquanto arte.
Como ressalta Hegel (1974, p. 105): “de um modo geral, o fim da arte
consiste em por ao alcance da intuição o que existe no espírito do homem, a
verdade que o homem guarda no seu espírito”.
Na modernidade, a
arte é considerada, segundo Brás (1990, p. 24), a manifestação do infinito na
finitude, é a atividade pela qual o espírito se apodera da matéria e se
reconhece objetivamente fora de si. A obra de arte se torna um sujeito autônomo
unificando a subjetividade e a realidade. É a imagem do que Hegel chama de
“Espírito Absoluto”, é puro êxito. Ao ser expressa, a obra de arte
entra na esfera do finito, mas é dotada de caráter infinito; seu caráter
subjetivo permanece caracterizado pela sua infinidade positiva porque está além
de toda realidade finita e se compreende nela toda a esta realidade
transcendente imponderável, mas percebida.
Diferente
do pensamento antigo, ao transcender seu contexto, a arte não poderia ser
pensada como imitação, pois assim estaria subordinada ao que lhe é exterior, e
não bastaria por si só. É também por este motivo que a noção de beleza não pode
ser essencialmente constitutiva da obra de arte, uma vez que esse produto da
qual a beleza é derivada é a aparição sensível da ideia. Neste viés, beleza e
verdade seriam a mesma coisa, distinguindo-se sob o aspecto de verdade em que a
ideia seria a manifestação objetiva e universal, mas sob o aspecto do belo ela
teria sua manifestação sensível.
A
ideia é a objetividade do conceito, que se apresenta à consciência como saber
ou ciência, que se “encarna” na obra de arte. Na arte a ideia não chega a manifestar-se em sua
forma própria, visto ser a arte a intuição concreta e representação do Espírito
Absoluto em si; isto é, a ideia não chega a realizar-se, mas transparece nas
formas sensíveis da natureza, ao mesmo tempo em que, como ideal, está além
dessas formas. Assim, a arte se apresenta como o primeiro movimento do Espírito
Absoluto.
Em
síntese, a Arte, materializada em suas diversas formas, não é só técnica, nem
só expressão; tal qual o homem não é só sua forma ou seu movimento, mas um
conjunto, a arte também é assim caracterizada. A arte então, participante
substancialmente de uma modalidade de ser metafísico e absoluto, se encarna na
história e nela pode ser fonte de um outro ente metafísico que é o Poder.
Estabelecer as relações possíveis entre arte e poder se faz necessário para dar
conta e complementar da própria definição de Arte.
3. Expressão e “Expressão”: pensando o Poder
Analisar
o Poder da arte requer a distinção deste com o poder que o artista possui, de
seu carisma. Quando um Miguel Ângelo
trouxe ao mundo seu Davi, não foi o poder político do governo Florentino, nem a
genialidade de seu criador que lhe atribuiu seu poder de expressão. Mas o
próprio Davi que se impõe sobre seus espectadores. Nenhuma roupa tem, mas se
impõe. Bastou-lhe a pedra que traz na mão para ser Davi, alias, um formoso Davi,
que não foi pensado para nos excitar com sua nudez, mais grega que judaica,
mas, ao contemplá-lo nos elava tanto à sensualidade grega como à santidade
judaica, nos eleva, de uma só vez, a uma e outra perfeição histórica.
Não
se fica impassível ante ao belo efebo, mas não com sentimentos baixos. Seria
preciso algum esforço para barrar em nossas sensações o sublime que sua visão
nos proporciona. Não é o Miguel que vemos, nem seus patrões florentinos, não é
nem mesmo o Davi histórico, mas Davi de inúmeras perfeições percebidas que se
fazem materializadas.
Em
um contraponto com Miguel Ângelo, convém ainda uma volta a um passado mais
distante para tentar perceber a radicalidade de expressões humanas mais
primordiais. Tomemos o período entre 1600 e 1400 a.C, em uma localidade de
Salisbury na Inglaterra, e façamos um desvio da arte Egípcia, em uma tentativa
de fugir da evidência, pois quando olhamos para obras de arte com conteúdos e
formas mais elaboradas, o belo, o grandioso a técnica parecem falar mais alto
do que o próprio espírito da obra.
Utilizemos
o recurso da analogia para tentar desvelar essa característica essencial da
arte que se faz necessário para, depois, definir em que consiste seu poder. Não
temos noções claras das ideias religiosas os povos primitivos, uma vez que, não
temos deles, documentos escritos, e que suas expressões pictóricas e
arquitetônicas, são raras, incompletas e “mudas”. Piazza (1991, p. 11) considera
que o homem do paleolítico superior tinha um cotidiano duro, voltado para a subsistência
imediata, da necessidade da caça, pesca e coleta de frutos, sendo caracterizado
por uma mentalidade pragmática. Se compararmos as informações que temos de
aborígenes australianos ou de certas tribos norte e sul americanas, não seria
despropósito dizer que, estamos muito mais bem informados de sua cultura, do
que estamos daqueles homens pré-históricos. Entre 3 e 2 mil anos a.C., na
Inglaterra, França em áreas mediterrâneas e Índia, começam a aparecer grandes
construções feitas em pedra cuja finalidade não é certa. Dentre essas
construções encontramos Stonehenge, que é um alinhamento de megaltos formados
de Menhir (megalito colocado em pé) e dolmen (megalito colocado
encima de dois que lhe servem de colunas, formando como que um mesa ou
pórtico), dispostos em cromlech (em círculo delineando um local).
Quando comparamos
Stonehenge com a cultura dos primitivos "modernos”, como os mencionado
acima, podemos observar que em outros modelos de sociedade que também estavam
mais voltados para um pensamento mais pragmático, não ocorreram à mesma
necessidade que observamos na Inglaterra, ficando suas manifestações com um
caráter mais imediato como o de oferecer segurança, proteger contra as
intempéries do tempo e da natureza, ou seja, com um caráter meramente prático e
transitório. O que salta aos olhos quando contemplamos o Cromlech de Stonehenge
é a marca do desnecessário. Não é como o Davi de Miguel Ângelo que para “ser”
teve que plasmar conceitos clássicos e judaicos adequados a necessidade do
belo. Stonehenge não teve tais necessidades, no entanto impressiona pelo
“supérfluo”. O desnecessário é, por assim dizer, um despropósito que revela que
a arte não se rende a figuração do belo, mas é a materialização de uma
realidade percebida além da aparência material, não simples mímesis, nem
elaboração mental. Na obra de arte, vemos a experiência de ordem transcendente
que abarca a sociedade e dá a ela uma forma de ver o mundo alcançando a
dimensão ética. Mediado por Stonehenge podemos então fazer referência à Sétima
Arte. Como pretendemos abordar as relações que vai entre a arte e o poder,
poderemos recorrer ao cinema para perceber como uma realidade pode ser captada
além da aparência do real.
O
“Triunfo da Vontade” (Triunf des Willens) é um documento histórico que
registra o Congresso do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães
que aconteceu em 1934 na cidade de Nuremberg na Alemanha, dirigido
primorosamente pela cineasta Leni Riefenstahl. Depois da Primeira Guerra
Mundial, o povo alemão passou por dezesseis anos de humilhação e após 19 meses
de atuação do Nacional Socialismo, o documento inicia com a visão aérea de uma
das cidades mais tradicionais da Alemanha, demonstrando um Hitler sorridente,
ovacionado por mulheres e crianças. No final, do documentário, ao ouvir o
discurso de encerramento, não é possível encontrar nada que prenunciasse a
tragédia que estava por vir. Uma, dentre tantas cenas fabulosas, merece nossa
atenção. A cena da revista da S.A. e S.S. e homenagem ao Reichsprasident Paul
von Hindenburg. Em tom solene, Heimrich Himmler, Hitler e Viktor Lutze
atravessam o estádio repleto de tropas e prestam reverência a uma fabulosa
coroa de flores ladeada por piras. Esta cena foi reproduzida despois no filme “O
Gladiador”, e nos faz perceber que os alemães não estavam diante de um líder progressista,
mas, de um “imperator”.
A
cena, visão de Riefenstahl, foi habilmente manipulada pelo poder do Nacional
Socialismo, mas não foi capaz de re-significar o mundo, de trazer uma nova
ordem, uma nova visão, uma nova ética. Como também ocorreu com a arte Socialista
Soviética, não se eternizou, pois de fato, não era arte, mas apenas uma
figuração intencional.
A partir do que foi
colocado nesta seção, como podemos refletir sobre o poder da arte na sociedade?
Em português, a palavra “poder” é de certa forma abrangente:
ter a faculdade ou a possibilidade; ter autorização ou
direito de; estar arriscado a; ter razões para; ter força, coragem para; ser
capaz de; ter ocasião ou oportunidade de; ter possibilidade, influência; posse;
jurisdição; abundância; força militar; eficácia, virtude; recursos; capacidade;
meios; vigor de corpo e de alma [...] (Dicionário da Língua Portuguesa, 1991,
p. 1303,)
Como o conceito de poder é vago e
multifacetado, comumente podemos utilizá-lo em seus significados mais
“sentidos” na modernidade, nas modalidades de poder político, poder econômico,
poder paterno, poder do Estado, etc. No fim das contas, acabamos por reduzir
todos esses “poderes” a duas formas essenciais, que são: o poder que o homem
exerce sobre a natureza, e o poder que ele exerce sobre o próprio homem,
geralmente utilizado como sinônimo de “Kratos” como poder político. O
poder político hoje é visto como poder dominante na sociedade e na civilização
uma vez que é caracterizado pelo monopólio da coerção legal que nada mais é do
que a capacidade de usar a força para fazer com que o indivíduo siga as normas
estabelecidas pelo Estado. Mas essa noção, embora muito difundida, não basta
para dar conta da realidade. A partir dessa significação, nada mais podemos
fazer do que supor que alguns indivíduos têm mais poder que outros. Esse poder
não seria de fato atribuído ao indivíduo, mas à posição que esse ocupa na
sociedade e, portanto, à reputação que esta confere ao indivíduo que a
ocupa.
Resta-nos
recorrer à fonte latina da qual a palavra “poder” deriva que é Potestas, que,
traduzida para o português significa ter a possibilidade tanto ativa ou passiva
de algo (FERREIRA, p. 571, 1863). O
termo grego, Kratos, pode significar o “Poder do Estado,” o Poder “Econômico”,
o “Poder Político”, como coesão (tonos), uma concepção na qual a
sociedade é pensada como tensão que existe na sociedade e é capaz dar a ela a
paz. Assim, por exemplo, a paz só é possível em oposição à guerra, o bem em
oposição ao mal.
Precisamos
incorporar essas possibilidades de pensar o termo “Poder” e para isso podemos
recorrer a Foucault para nos ajudar a superar a polêmica ideológica que combate
a arte como “representação ‘realista’,
simplista, otimista – dos ‘valores proletários; e da vida proletária” (BENJAMIN,
2006, p. 27). Para Foucault (1981, p. 6), nem a esquerda nem a direita
colocaram bem o tema do Poder. Para direita o poder era uma questão jurídica
proposta em termos principalmente de constituição e de soberania, enquanto que
para a esquerda Poder era proposto em termos de aparelhamento estatal. Mas qual
é o problema dessas colocações? O ponto essencial é o modo como o Poder é
exercido em suas estratégias e técnicas. Com Foucault, podemos dizer que, se tentarmos
uma abordagem do Poder da arte do âmbito Ideológico direitista ou esquerdista,
nada mais estaremos a fazer que, apresentar a arte como instrumento do
totalitarismo ou da dominação de classes.
Isso nos revela que quando falamos em Poder,
não estamos falando em uma essência que deve ser alcança pela arte ou infundida
na arte com fins de fazê-la ter Poder. O Poder, conforme colocado por Deleuze
(2005, p. 37), não é uma essência, é antes, de mais nada uma relação, do mesmo modo que a sociedade,
que também não é uma essência, mas consiste em suas relações.
Tomaram-se
como modelo arquitetônico a Cidade Universitária de Coimbra, construída em
estilo Neoclássico durante o período do Estado Novo, que como regime político
governou Portugal entre 1933 e 1974, podemos observar sem dúvidas que a sua
arquitetura com características monumentais, é eivada de relações entre a arte
e a política, que por sua vez revela a relação totalitária entre o Estado e a
Sociedade.
No
entanto, ao observar qualquer forma de expressão utilizada para estabelecer uma
relação de poder (kratos) entre a
arte e o homem, dos regimes totalitários, vemos o pobre pode de formação que
essas obras apresentam. Constituem antes uma forma de opressão como as estátuas
de Lênin e Sadam derrubadas logo após as quedas dos dois sistemas opressores na
URSS e no Iraque. Não são obra de arte, são apenas formas de expressão que se
autodeclaram eternas sem nelas haver nada de universal que diga algo ao Homem.
São apenas expressões da brutalidade.
A arte não é somente
expressão, nem tão pouco, um saber prático. Fruto do empenho e da criatividade
do homem a obra de arte se destaca do seu criador e se torna um ser que habita
o universo humano. As experiências de ordem do Homem produzem ordem do mundo e como
fruto dessa ordem, que é uma certa forma de compreender o mundo, Algumas
manifestações mais elementares ganham uma personalidade capaz de significar uma
experiência de ordem, ele se torna dialeticamente, criatura e criadora desse
momento.
4. Considerações Finais
De
fato, desde a antiguidade, a expressão artística vem sendo utilizada como forma
de persuadir as massas. Os arcos do triunfo, as moedas cunhadas com os rostos
dos Césares, os bustos e as estátuas, as torres das igrejas podem atingir certo
grau de expressão e de técnica, mas nada mais são do que propaganda. As
propagandas dos Césares, Alexandres e Napoleões desse mundo não chegam aos pés
daquilo que chamamos Arte. São no máximo suas expressões e técnicas, outdoors
sem importância que dirigem a atenção da massa, simplesmente pela utilização de
certos símbolos, temas ou formas capazes e influenciá-la enquanto o poder
(kratos) for exercido.
A obra de arte é
capaz de sobrepujar a especificidade do
contexto e se impor através dos tempos. O poder da arte
(potestas) é outro. A arte é capaz de receber em si e de transmitir, aquele
momento do Espírito Absoluto que toca o fundo da alma humana e eleva o coração
do Homem a uma transcendência movida pelo espanto. Do sorriso da Gioconda à Altamira
(Espanha há algo, acompanha a humanidade naquilo que ele tem de produtora e
produzida, por uma necessidade de se expressar para além do tempo. Por que o
sorriso? Por que pintar na pedra as atividades corriqueiras do dia a dia no
Paleolítico Superior? Esse algo é um porquê, mas é imponderável, inalcançável
para o Individuo, tão caro a nós, percebido na Coletividade, plasmado na
História. Assim, podemos dizer com Agostinho (1999, p. 8): “no estudo da
criatura, não se deve exercer uma curiosidade vã e perecedoura, mas ascender
rumo àquilo que é imortal e permanente”. Enfim, a obra de Arte, surge no
esforço obscuro de encontrar as formas simbólicas que exprimam o significado da
existência humana. Cada artista dotado de certas qualidades pode captar parte
dessa realidade, que é expresso e materializado em sua obra, e, acolhido na
sociedade como experiência civilizacional, e nisso consiste em seu poder.
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Agradecimentos:
Meus
sentimentos de profundos agradecimentos estão relacionados a Nossa Senhora da
Conceição Aparecida, virgem que, serena e de mãos postas nos inspira as
verdades mais singelas da fé, e, por si só, se institui em símbolo de justiça
social e racial para todo o Brasil, quiçá pra toda a América Latina. In
memoriam, agradeço ao senhor Cláudio Pompeu, meu pai, que pelo seu exemplo,
me ensinou o valor do trabalho árduo, honesto e diário.
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